12/01/2007

Referendo – Um sim responsável

A interrupção voluntária da gravidez é uma matéria da consciência individual onde, em primeiro lugar, se deve reconhecer que não há uma solução óptima.

Exactamente de hoje a um mês realiza-se o referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez (IVG).

Trata-se de uma matéria da consciência individual onde, em primeiro lugar, se deve reconhecer que não há uma solução óptima. Qualquer uma das opções comporta elementos positivos e negativos.

Por outro lado, é um debate que deve ser feito com sobriedade. Há valores importantes que estão em discussão e extremar posições é negativo. Muito menos falar em custos monetários por uma ou outra opção ou associar o aborto ao “terrorismo”. É absurdo. O que está em causa são princípios, e também realidades indiscutíveis.

Entendo as justificações de algumas pessoas que se identificam com o “Não” na resposta ao referendo. Entendo e respeito.

No entanto, a minha opção é pelo “Sim”. Por vários motivos.

Porque se trata do direito de opção de uma mulher (obviamente compartilhando a responsabilidade com o parceiro) tendo em conta determinadas circunstâncias que estão definidas na legislação que se quer aplicar. Ao contrario do que é afirmado, não se trata de “liberalização”. Há várias condicionantes previstas. Neste âmbito, é relevante que uma mãe possa ter um filho que deseje. O contrário implica uma violência desajustada e, eventualmente, a rejeição. A maternidade (e a paternidade) é um desejo e não uma imposição. Os afectos não se decretam.

Não se pretende que, a partir daqui, se façam mais abortos. Aliás, nos casos em que se verificou a despenalização do aborto, não aumentaram os casos de IVG. O que se pretende é dar permissão para uma opção. Condicionada.

Caso este direito não se verifique, vamos continuar a ter o aborto clandestino e a perseguição e penalização de algumas mulheres. Das que têm fracos recursos e que não se podem deslocar ao estrangeiro. Mais grave. Além do trauma já sofrido por muitas mulheres – e do risco de morte – vamos continuar com a situação hipócrita de serem condenadas em tribunal. Se tiverem feito o mesmo acto, mas em Espanha, já não há problema.

Muito provavelmente quase todos nós conhecemos ou ouvimos falar de alguém que fez um aborto. Às escondidas. Sabemos, comentamos e aceitamos. Em muitos casos, quando se conhecem as razões, até se concorda com os motivos. Se a experiência pessoal e os estudos revelam que são inúmeros estes casos, porque não o assumimos claramente? De um modo frontal, como o já fizeram muitas outras sociedades. Com esta transparência até, de facto, se consegue diferenciar e responsabilizar os que praticam actos injustificáveis e que, esses sim, são atentatórios da vida humana.

Estes são alguns dos motivos porque considero relevante que no próximo referendo se vote “Sim”.

A experiência passada revelou duas situações relevantes.

Em primeiro lugar, não é suficiente estar de acordo. É preciso ir votar. Se a abstenção for muito elevada uma “minoria” pode tomar a opção pela maioria. Influências locais ou regionais podem sobrepor-se ao todo nacional.

Por outro lado é preciso que a decisão não deixe margem de dúvidas. Para evitar que dentro de alguns anos se volte a questionar a legitimidade da decisão.

Duas notas finais. A Igreja católica manifestou a intenção de ter uma forte intervenção neste processo. Tem todo o direito. Mas deve ser consequente para que se permita uma reflexão global e não parcial.

A Igreja é contra o aborto e também se opõe ao uso, por exemplo, do preservativo. Pelas mesmas razões. Nesta perspectiva e levando à letra a sua coerência sobre a vida e o papel da mulher, será que a Igreja também vai apelar à proibição da pílula e do preservativo?

Parte significativa dos católicos percepcionam com um sorriso este dogma da Igreja em relação aos contraceptivos. E, muitos, também discordam sobre a IVG.

O que está em causa não são dogmas ou confissões religiosas.

Uma última nota. Tal como já afirmou o líder do PS, seja qual for a decisão, o Parlamento deve respeitar o veredicto e não assumir qualquer decisão contraria à decisão dos portugueses.
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Jorge Coelho, Membro do Conselho de Estado
11 de janeiro de 2006 - In DiarioEconomico.com

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