Na Inglaterra de 1950, Vera Drake é uma mãe de família modesta, que faz limpezas em cinco casas diferentes, que visita os seus vizinhos, que ampara uma mãe sozinha... Vera também ajuda raparigas, raparigas que precisam de ajuda. São estas as suas palavras. Para Vera é simples. Mas na Inglaterra dos anos 50, o aborto era ilegal e punido com pena de prisão. Muitas mulheres chegavam aos hospitais com complicações de abortos mal feitos, correndo risco de vida. A história em nada é diferente do Portugal dos dias de hoje. Como no Portugal do século XXI, essas mulheres eram denunciadas às autoridades, pelas enfermeiras e pelos médicos. A Inglaterra acordou para a realidade e resolveu mudar a lei, porque não é proibindo, condenando e levando as mulheres para a prisão que a questão do aborto se resolve. Hoje, todos os países da União Europeia tem descriminalizado o aborto, à excepção da Irlanda, Polónia, Malta e Portugal. No entanto, é apenas o governo português que leva realmente a tribunal médicos/as, enfermeiros/as e mulheres que tenham recorrido ao aborto.
O consenso internacional é claro. Em Junho de 2002 o Parlamento Europeu adaptou o relatório “Lancker” (Relatótio Van Lancker A5-00223/2002), que aconselhava a tornar o aborto legal, seguro e acessível, apelando aos países para que não perseguissem mulheres que tivessem feito um aborto ilegal. As Nações Unidas defenderam durante as suas conferências tais como “A Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento” no Cairo (1994) e durante a “Quarta Conferência Mundial da Mulher” em Beijing (1995), defenderam que “Os governos e as organizações deverão fortalecer o seu compromisso com a saúde das mulheres, e deverão lidar com os impactos na saúde provocados pela realização de abortos inseguros como uma prioridade da Saúde Pública”. A Organização Mundial de Saúde defende que: “Os governos têm de avaliar o impacto dos abortos inseguros, reduzir a necessidade de abortar e proporcionar serviços de planeamento familiar alargados e de qualidade, deverão enquadrar as leis e políticas sobre o aborto tendo por base um compromisso com a saúde das mulheres e com o seu bem-estar e não com base nos códigos criminais e em medidas punitivas. (...) As mulheres que desejam por termo à gravidez deverão ter um pronto acesso a informação fidedigna, aconselhamento não-directivo e em paralelo, devem ser prestados serviços para a prevenção de uma gravidez indesejada assim como a resolução e resposta face a possíveis complicações” (Unsafe abortion: Global & regional estimates, 1997 – WHO/RHT/MSM/97.16)
Como valenciana, espanhola e europeia convencida, desejo que Portugal se ponha à altura do continente e diga nunca mais à hipocresia. A floritura do referendum passa, mas não se justifica. Porque falamos de direitos, não de opiniões. Como membro de família católica, tenho mastigado e digerido sermões, revistas e videos obsoletos com imagens de fetos mortos e familias quebradas ‘a causa do aborto’. E faz-me rir. Porque ante o inevitável, é justamente a negacão da igreja que alimenta aquilo mesmo contra o que ela protesta. A dor e a injustiça chegam na obscuridade da ilegalidade – não na hipocrisia de crer que o aborto é irradicável. Mais de 1/3 das gravidezes não é planeada. Todos os anos, quase 1/4 de mulheres grávidas decide fazer um aborto. Cada 6 minutos, algures no mundo, morre uma mulher devido a um aborto clandestino feito em más condições. Cada dia morrem mais de 200 mulheres no mundo. Nunca mais fechar os olhos. Falamos de fé, maturidade religiosa e mudança cristã, não de proselitismo estilo idade média onde se nos dita o que pensar. Muitas católicas e católicos dizemos não à cegueira de muitos lideres eclesiásticos e proclamamos que os direitos humanos não são incompativeis com a nossa fé e religião. Vejam o movimento de libertacão, vejam o movimento das catolicas pelo direito a decidir... Queremos respeito, direitos e decência dentro da igreja, dentro do movimento católico. Queremos ser católicos e ao mesmo tempo pessoas coerentes. Ser católica de boca, não me serve. Ser católica com factos, sim.
Kas lajosep@hotmail.com
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