12/01/2007

Referendo de 11 de Fevereiro

“ Com o ‘Sim’ à pergunta do Referendo pretende-se que as mulheres sejam tratadas com dignidade, segurança e justiça face à sua condição biológica ... "

Ano Novo, 2007, e logo no seu inicio, a 11 de Fevereiro, a sociedade açoriana, como parte do todo nacional, é chamada a pronunciar –se - sob a forma de um referendo – sobre uma questão que suscita invariavelmente discussões apaixonadas ( e como a paixão é cega …), a maior parte das vezes não esclarecedoras das diferentes perspectivas que se possa ter sobre a matéria em questão , ou seja, sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez – IVG.
Há pessoas que embirram com o termo IVG como se esse simples facto, “ a birra”, lhe pudesse retirar o significado de cessação de uma gravidez, tal como o termo aborto ou desmancho. Prefiro, enquanto médica , a designação IVG, pela sua neutralidade conotativa. È importante habituarmo – nos, sempre que possível, a utilizarmos conceitos escorreitos e sem conotações de ordem moral, nomeadamente pejorativas, quando se trata de actos do foro médico.
A questão que é colocada no referendo, para nos pronunciarmos com um SIM ou um NÃO, é se, para além das circunstâncias já existentes no Código Penal, no seu artigo 142º - que enuncia as situações em que não é punível a interrupção da gravidez -, designadamente as relacionadas com perigo de morte ou de grave, irreversível ou duradoura lesão para o corpo, para a saúde física ou psíquica da mulher grávida (até às 12 semanas); com malformações do feto (até às 24 semanas); com crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, como na violação (até às 16 semanas) - concordamos que se acrescente uma nova excepção em que a interrupção da gravidez não seja punível até 3 anos de prisão, como acontece actualmente.
Essa nova circunstância é a que se encontra contida e limitada na pergunta a referendar, ou seja: "Concorda com a Despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez, se realizada, por opção da mulher nas 10 primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado para o efeito".
Como se pode verificar da leitura cuidadosa da pergunta, não se trata de liberalizar a IVG, como muitos defensores do Não, de uma forma desonesta, querem fazer crer. Liberalizar seria não haver qualquer limite ao tempo de gravidez (neste caso há e é de dez semanas), nem qualquer condição para a sua realização (qualquer pessoa o poderia fazer e em quaisquer condições), o que não acontece porque como outros actos médicos, a IVG deve ser feita num estabelecimento de saúde legalmente autorizado para o efeito.
O que está em questão é se nós, cidadãs e cidadãos deste País, concordamos que mulheres continuem a ser criminalizadas, ou seja, possam vir a ser presas até 3 anos (como consta do artº. 140º do Código Pe¬nal), por em consciência e de uma forma responsável sintam não ter condições para levar uma gravidez por diante e tenham de decidir pela sua interrupção - dentro dos condicionalismos definidos pela lei.
Com o "Sim" à pergunta do Referendo pretende-se que as mulheres sejam tratadas com dignidade, segurança e justiça face à sua condição biológica que lhes atribuiu maiores riscos de doença e de morte no que diz respeito à saúde reprodutiva e sexual, onde a IVG se inclui. Está provado que quan¬do as mulheres ou os casais e famílias decidem que a situação só é passível de ser resolvida com a interrupção da gravidez, fazem-na (18 mil a 20 mil/ano no nosso País) independentemente dos riscos, por terem de se socorrer de uma rede clandestina sem condições higiénico-sanitárias.
Em síntese, saliento que no 'Referendo não está a perguntar se concordamos ou não com IVG, mas somente se concordamos, ou não, que nas condições de uma gravidez até às 10 semanas a interrupção possa ser feita a pedido da mulher em condições de segurança para sua saúde e vida e que nesse caso, e somente nesse caso, não sejam criminalizadas.

Fernanda Mendes - Médica psiquiatra ( 11 de janeiro de 2007 in Açoriano Oriental)

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